A palavra digital não pode mais ser usada para definir uma mídia ou produto. Digital é um modo de vida. Para comprovar esta afirmativa, bastava estar presente à terceira edição do Digital Age 2.0, conferência que uniu marketing, publicidade e negócios, tendo a internet como plataforma de relacionamento, nos dias 26 e 27 de agosto de 2009 no Sheraton WTC Hotel em São Paulo/SP. O evento contou com mais de 30 especialistas em marketing, publicidade, comunicação, negócios e internet, incluindo seis palestrantes internacionais, para discutir temas como relacionamento com o consumidor na web e em múltiplos canais, o valor da audiência online e as tendências tecnológicas.
Tony Hsieh, CEO da loja virtual Zappos.com, deu início à maratona de aprendizagem com um enfoque bem distinto: ao invés de falar especificamente em tecnologia de atendimento ao cliente, que é de fato o grande diferenciador do canal online de compras, preferiu comandar uma reflexão sobre o papel de cada um na sua própria existência e na sua relação com o mundo. No lugar do lucro, a grande busca do ser humano seria a felicidade, e é mirando neste caminho que todas as estratégias empresariais são estruturadas. A empresa tem 1300 funcionários e quatro milhões de itens para comercializar para um cadastro de 11 milhões de pessoas. Ele aponta que “ao invés de gastar com publicidade e marketing, coloco este dinheiro na experiência do cliente com a marca”. A estratégia da companhia - de valorizar o aspecto humano mais do que as ferramentas digitais - fica clara quando Hsieh destaca que o objetivo da Zappos.com é criar um sentimento “wow” entre seus clientes. Por "wow", o empresário se refere à capacidade de surpreender o consumidor. “Ocasionalmente, até direcionamos as pessoas para sites de rivais”, revela.
Neste sentido, apesar de ser uma loja eminentemente virtual, em todas as páginas há registro de um número de telefone 0800 para contato imediato se desejado pelo internauta. Também o funcionamento 24 horas, inclusive na entrega dos produtos, e a ausência de taxas, é outro diferencial. O tele-atendimento não é automatizado e não tem script padronizado, num tom de diálogo amistoso e próximo. O sistema de recrutamento é igualmente inovador, com uma série de dinâmicas voltadas a determinar a adequação do candidato ao espírito da organização, acima das habilidades técnicas. Um recurso inusitado é, após o primeiro mês, haver a oferta ao recém-contratado de dois mil dólares para que desista do emprego. Se recusar o dinheiro e optar pela vaga, estará demonstrando sintonia com os valores da empresa e visão de futuro. Em 2007, 3% aceitaram a oferta financeira, enquanto em 2008 o número baixou para 1%, segundo Hsieh. Ele ainda falou sobre o “Livro da Cultura”, montado a partir da pergunta, a cada membro, sobre o que significa trabalhar na Zappos, com respostas divididas por departamento.
O executivo cita como “cores values” abraçar e dirigir a mudança, criar diversão e esquisitices, ser criativo e ter mente aberta, construir um time positivo com espírito familiar e fazer mais com menos. Para ele, a cultura da companhia e a cultura da marca são dois lados da mesma moeda, onde a transparência é fundamental e ultrapassa o que se diz: é a essência do comportamento. Ele conta que é tradicional na Zappos realizar tours em seus escritórios com consumidores num permanente processo de pesquisa. Outra interface está no Twitter e na newsletter “Ask Anything”, comprovando esta intenção interativa e aberta. Outra ação de compartilhamento é um blog que busca dar dicas de gestão para pequenos empreendedores (http://www.zapposinside.com/). O resultado de tudo é o exercício cotidiano de trabalho com paixão e pleno engajamento, inspirando a equipe com os valores para nem precisar focar em motivação, que acaba sendo uma reação natural, na opinião do empresário.
Desde 2007, o foco é estabelecer uma conexão emocional pessoal, estruturada sobre a sensação de felicidade nas relações, inclusive de negócios. Hsieh conduziu estudos sobre a ciência da felicidade, condição que normalmente está sempre projetada no futuro. Aprenderam que se trata de um processo de quatro aspectos: controle percebido, progresso percebido, conexões e visão/significado de fazer parte de algo maior que a si próprio. Uma das aplicações no ambiente corporativo deste enfoque está na programação de promoções de carreira em prazos curtos, permitindo estímulo continuado ao funcionário, que conclui estar sendo valorizado. Ele ainda falou sobre os três níveis de felicidade, constatados numa pesquisa: Rockstar (prazer em instância alta e duradoura), Flow (engajamento fluido onde o tempo não passa) e Meaning (sentimento de fazer parte de algo maior, com desenvolvimento de ações elevadas com o entorno, voluntariado, caridade). Esta aprendizagem traz uma transcendência aos negócios, não mais limitados a performances quantitativas ou monetárias, com uma visão a longo prazo de contribuição para o bem-estar do planeta, que começa pela satisfação do indivíduo. Alguns exemplos desta postura positiva e engajada foram citados, como um telefonema de madrugada recebido por um tele-atendente solicitando pizza, produto não vendido pela empresa, mas o funcionário pesquisou e imediatamente indicou três telefones de tele-entrega próximos à residência do interlocutor, abertos naquele horário. Houve ainda um telefonema de devolução de produto, porque a mãe do cliente havia falecido e nem usado o bem, ao que o atendente aceitou e ainda teve a iniciativa de enviar flores ao velório.
FUTURO – A empresa do futuro tem fome de mudança, com conhecimento e capacidade de inovação. Este foi o pano-de-fundo da apresentação do diretor de Marketing e Comunicação da IBM, Mauro Segura, que falou sobre o fenômeno dos 5 C’s, sobre os quais as organizações precisam desenvolver estratégias – conhecimento, comunidades, colaboração, caos e cultura. Em todos os casos, há necessidade de transcender a rigidez das estruturas hierárquicas, afinal “há uma paranóia de controle de processos de comunicação pelas empresas, onde é cultural o cerceamento do compartilhar”. Em geral, vê-se processos de comunicação interna ainda hoje baseados no enfoque institucional e unidirecional, embora ele vislumbre uma transformação progressiva na ação dos profissionais.
Daí que Segura indica uma mudança no perfil dos comunicadores, que devem estar mais preocupados com a estratégia do que com a produção de conteúdo, que é uma tarefa que migra para a própria equipe de maneira descentralizada. A visão é que termina a fronteira entre comunicação interna e externa, até porque os funcionários transitam em ambientes externos com maior freqüência na consolidação da mobilidade total e do home-office. Por isto, indica que a colaboração deve ser livre. Na IBM, são 70 mil blogs de funcionários, 370 mil wikis de assuntos construídos conjuntamente e 70 mil participantes em redes sociais. Ele detalhou as sessões de brainstorming, chamadas “Innovation Jam”, iniciadas em 2006. Já naquela época, houve 160 mil participantes de 104 países em sessões de 72 horas de conversação online entre funcionários, familiares, universidades, clientes, gerando 46 mi posts, de onde foram coletadas as melhores idéias sobre as quais foi decidido investir US$ 100 milhões.
Para o diretor, falar em ambiente colaborativo predispõe à quebra de barreiras geográficas ou hierárquicas e à comunicação direta sem obstáculos, o que recria os relacionamentos, desvenda ilhas de competência, descobre talentos desconhecidos e identifica os influenciadores internos. Até porque estudo da Universidade de Melbourne aponta que funcionários que usam redes sociais no trabalho são 9% mais produtivos do que aqueles não-usuários, num contrasenso ao encontrado no whitepaper “Social Media: Embracing the Opportunities, Averting the Risks”, produzido recentemente pela Russel Herder e Ethos Business Law, que diz que 40% das companhias pesquisadas bloqueiam o acesso de seus funcionários às redes sociais. “Mas claro que a implementação de colaboração massiva, livre e sem intermediários causa medo e riscos”, reconhece ele.
CAPITAL SOCIAL – O painel de debates “Capital social – o consumidor está na web” tomou as atenções da platéia no primeiro dia. Para o diretor da IThink, Marcelo Trípoli, o principal desafio de uma empresa atualmente, num cenário de interação contínua, não é ser inovadora na comunicação, mas sim reinventar seus processos administrativos. Para tanto, é preciso olhar para dentro e identificar as fragilidades. Deve haver um equilíbrio entre o monólogo e a liberdade total, porque participar pressupõe responsabilidade sobre a opinião prestada. A tecnologia e a internet dão apenas amplitude às ações e opiniões, mas não são sua essência, “até porque os conflitos ou medos nas redes sociais não são problema de comunicação, mas de gestão”, assinala. Max Petrucci, diretor da Garage.com, acrescenta que a internet está entregando o poder às pessoas, e não há outro caminho para as corporações além de agir de maneira personalizada e humana. Assim, ele aposta no alinhamento das estratégias a partir da alta direção, passando por vários públicos com as linguagens mais adequadas. Assim, pode-se pensar numa comunicação mais efetiva. Na opinião do representante da Global Mind, Marcelo Montefiore, há o término do monólogo organizacional como novo parâmetro da criação e difusão de mensagens. Marcos Souza Aranha, da IChimps, acredita que para falar de diálogo é preciso considerar dois pontos: a educação e a transdisciplinaridade. O diálogo não significa várias conversas livres concomitantes, mas sim um canal de base para repensar informações e conhecimento. Da diversidade, tem que ser retirada a inspiração. Ele lembra o conceito de capital social, que é a capacidade de usar prestígio para obter engajamento das pessoas numa causa ou ponto-de-vista. E esta é a base da comunicação contemporânea: obter a adesão e deixar a disseminação sob incumbência das pessoas, que se apropriam, modificando ou não os discursos organizacionais.
RP Rodrigo Cogo – Conrerp SP/PR 3674
Gerenciador do portal Mundo das Relações Públicas (http://www.mundorp.com.br/)
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