Memória dá transcendência na “guerra de conteúdos”






A forma como a memória contribui para o campo das narrativas, diante da sobrecarga de informação que gera “guerra de conteúdos”, foi um dos tópicos da palestra do diretor-geral da ABERJE e professor da ECA/USP, Paulo Nassar, na edição comemorativa do projeto “Pão com Manteiga: Café da Manhã com Comunicação”, organizado pela agência KlaumonForma Comunicação. Na contemporaneidade, a construção de narrativas acontece por diferentes agentes, que competem por atenção e por sentidos e significados. O evento reuniu mais de 60 profissionais e foi realizado na sede da entidade em São Paulo/SP no dia 25 de junho de 2009, contando ainda com debatedores convidados.

A abertura do encontro, que marcou 60 edições, foi realizada pela sócia e diretora de atendimento e planejamento da agência, Claudia Cezaro Zanuso, que fez um retrospecto da atividade em seus sete anos de funcionamento, com 59 consultores convidados e participação de profissionais de 100 empresas distintas, tendo como base a comunicação interna. Todas as edições anteriores do Pão com Manteiga estão agora registradas em um livro de 80 páginas, anunciado e entregue na ocasião, com resumos de todos os bate-papos informais no período - o que também está relatado no site http://www.klaumonforma.com.br/index7.php?cid=1&pid=0&mid=6&tid=0&mnr=1, com opções de texto, fotos e vídeos.

ABERJE - A Aberje é pioneira no trabalho com a história e a memória empresarial. Ainda em 1999, preocupada com questões trazidas pelas reestruturações produtivas e patrimoniais brasileiras, entre elas as privatizações e as centenas de fusões e aquisições, promoveu o Encontro Internacional de Museus Empresariais. Já no ano seguinte, a entidade trouxe ao Brasil o historiador inglês Paul Thompson, e desde então o tema está presente em cursos e encontros, de maneira integrada ou específica com outras áreas de atuação. Em 2004, foi publicado o livro “Memória de Empresa: história e comunicação de mãos dadas a construir o futuro das organizações”. Logo depois, inaugurou o Centro de Memória e Referência, reunindo um acervo de documentos, fotos e material audiovisual dos últimos 50 anos da comunicação empresarial nacional, afora uma biblioteca de mais de 1000 títulos da bibliografia fundamental da comunicação e das relações públicas. O CMR ainda abriga o Instituto Aberje de Pesquisas, que desde 2001 vem realizando estudos sobre o campo.

Paulo Nassar é jornalista pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/PUC-SP, sendo doutor e mestre pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo/ECA-USP, onde é professor e coordenador do Curso de Relações Públicas e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação, além da especialização. Para Mestrado e Doutorado, ministra há dois anos a disciplina “Comunicação Organizacional e Relações Públicas na Construção da Responsabilidade Histórica e no Resgate da Memória Institucional das Organizações”, com alunos e produções que comprovam o perfil transdisciplinar da área. Seu último livro foi “Relações Públicas na construção da responsabilidade histórica e no resgate da memória institucional das organizações”, pela Difusão Editorial, sendo que periodicamente aborda o tema em colunas nas revistas Imprensa e Reserva Cultural e no site Terra Magazine.

Para o pesquisador, “o lugar é a morada da memória e é ela que humaniza a matéria e estrutura a linguagem”, sendo que se for descuidada faz perder o humanus e transforma-se em ruínas. Historicamente, a preservação da memória está ligada a inúmeros lugares, como o próprio cérebro que estrutura a memória oral. Trata-se da organização oral da memória como necessidade da retórica e, na falta de suportes escritos não criados até então, do estabelecimento de técnicas de memorização através de lugares, e num segundo momento pela busca da fixação dos sentidos por meio de imagens fortes. Sócrates não deixou nada escrito, sendo lembrado apenas pelos registros posteriores de Platão. Aliás, este pensador sentenciou que a invenção da escrita era a morte da memória, o que de certa forma, na opinião de Nassar, se perpetua até hoje por meio dos suportes digitais que arquivam tudo. A propósito disto, o professor enfatiza que canais online como blogs e Twitter são um descentramento dos discursos oficiais.

A memória foi sendo estabelecida dentro da tecnologia dos suportes, como a cera e a pedra, desde a tradição grega. A perenidade dos suportes torna-se um ponto importante, e então veio a tela, o ferro e o bronze, e deles a arquitetura, a escultura e mesmo as artes performáticas (como cinema e teatro). Mnemosine é considerada a Deusa da Memória e é mãe das nove musas do Olimpo, a quem correspondem as artes (Melpomene – tragédia; Clio – história; Euterpe – música; Erato – poesia lírica; Terpsícore – dança; Tália – comédia; e Calíope – poesia épica). Ele explica que na oralidade o tempo é mais cíclico, considerado sagrado e desenvolvido no face-a-face, e na escrita o tempo vem em forma linear, seguindo uma suposta ordem, sendo no digital a ocorrência dos multitempos, instantâneos e icônicos. Estas diferentes concepções alteram as formas de relacionamento entre as pessoas no decorrer da história.

Os lugares são definidos por simbologias, pela história e pela tradição, dado que o homem é um ser de representações. Nassar aponta, contudo, que convivemos com “não-lugares”, na concepção do teórico francês Marc Augè, sem símbolos, sem conexões, sem visão de passado e de futuro – chegando a desumanizar as pessoas. O “não-lugar” é a antítese da memória, é o espaço do quantitativo, sem dimensão de sonhos, do commodity. Ele alerta que a aceleração de funcionamento das estruturas corporativas tem levado a uma perda de sentido e os espaços produtivos então tornam-se “não-lugares”. E isto tem causado um impacto enorme nas narrativas empresariais, que perdem apelo e repercussão porque abandonam os mitos, os ritos, os rituais e os heróis em nome do factual presente e numérico. O resgate destas perspectivas seria fundamental diante de tantos outros focos de expressão da sociedade. “Por isto, as narrativas precisam inspirar experiências dentro dos cinco sentidos”, diz, e com isto oferecer temas bem além do escritório. “A sociedade está obesa de informação, mas continuamos famintos de significados”, sentencia.

Neste caminho, há novos protagonistas da memória, por seu caráter de recurso democrático, desfocando da eterna prevalência do resgate de percepção das diretorias. Todos têm a sua história, havendo portanto espaço para os demais membros da organização. É uma opção que ajuda na busca da transcendência, num panorama em que empresas e cidades, até mesmo em seus espaços de lazer, são excessivamente funcionais, e onde a visão dos discursos é informativa e pacificadora, e não dialógica, opinativa e de controvérsias. “É preciso tornar os lugares interessantes, o que se consegue pela ligação da tradição com a inovação”, aposta ele, mostrando uma série de fotografias de obras artísticas e arquitetônicas. E completa: “hoje já uma busca pela subjetividade. Embora seja difícil trabalhar isso no ambiente competitivo, não tem mais sentido o discurso somente racional. As empresas que são não-lugares vão desaparecer”.

CONHECIMENTO - Para Beto do Valle, da consultoria de gestão do conhecimento Terra Fórum (www.terraforum.com.br), organizações centradas em valores sabem da importância de contar sua história e mantê-la permanentemente atualizada. São principalmente os incidentes críticos e fatos marcantes que constroem o conjunto de parâmetros que ajudam a definir os comportamentos estimados pela organização. Uma das grandes tendências atuais seria o espaço digital, onde todas as informações relevantes que descrevem a trajetória da empresa ficam organizadas, permanentemente atualizadas e acessíveis. Segundo o consultor, a Memória Empresarial é uma solução de impacto para valorizar o trabalho dos colaboradores, pois possibilita uma visão da história da empresa, seus fatos e pessoas marcantes, com visibilidade, facilidade de acesso e, acima de tudo, com um olhar histórico e institucional. Permite também, de forma inovadora, a coleta de fatos a partir de quem vivenciou ou ainda vive a história da empresa.

Para contar esta história de maneira dinâmica, ele sugere que o conteúdo seja organizado em torno de um fio condutor. Isso permite a visualização das informações, taxonomia e metadados adequados aos componentes da memória - textos, depoimentos, fotos, notícias, descrição de momentos importantes e vídeos, por exemplo. Com a Memória Empresarial, a corporação também desperta para a necessidade de organizar e classificar todas as suas informações, desde o seu surgimento na empresa. Sua empresa possui uma metodologia própria que mapeia e identifica os principais elementos que constituem a Memória Empresarial de uma organização, analisando a história e seus documentos a fim de entender suas atividades, produções e fatos marcantes; propondo e desenvolvendo a taxonomia para a classificação e organização das informações e apresentando caminhos para publicação e difusão do material.

A técnica de “story-telling” foi a opção comentada por Valle, como um meio de trocar significados e conhecimentos. A idéia é identificar, captar e disseminar histórias, que são uma das mais antigas formas de compartilhamento. São escolhidos o propósito e o público-alvo, a linha do tempo e fatos marcantes, o mapeamento e a seleção de histórias e personagens e escolhidos ainda os formatos de captura e disseminação. O consultor explica que a interação com o outro gera histórias, onde as experiências estão embutidas e perpetuadas. Segundo ele, histórias são veículos de significados (idéias, valores, culturas, comportamentos, emoções, atitudes) e tiram as pessoas da neutralidade, movimentando para uma opinião e para o debate. O que é trazido à tona traz aprendizagem e precisa ser sistematizado. A dinâmica do conhecimento organizacional estimula uma troca mais formal. Ele cita o teórico Hofstede que diz que os elementos da cultura são formados por valores, rituais, heróis, símbolos e práticas, todas as matérias-primas da história e da memória. O compartilhamento das “stories-telling” gera lições aprendidas, relatos de caso, processos, projetos e boas práticas. Dois cases exemplificadores foram mostrados: o projeto de internacionalização da Valer, a universidade corporativa da Vale, cujos parâmetros de estilo de funcionamento e de tratamento foram captados pela gravação de histórias para repasse a outras unidades da empresa no exterior; e a retenção de conhecimento sobre grandes obras da Petrobras, com suas técnicas, interações e impactos organizados em lições e tomadas de decisão decorrentes, registradas em livro e DVD.

ESPAÇO MEMÓRIA - Mírian Mizuno, do Espaço de Memória Itaú, também trocou impressões com a platéia. O Espaço Memória do Itaú Unibanco foi criado para reforçar valores, cultura e identidade institucionais por meio do resgate, preservação e disseminação da memória do Banco, e ainda preservar, fortalecer, disseminar e manter a cultura do Itaú Unibanco. Entre suas atividades, estão desenvolver projetos que promovam o intercâmbio de informações, interagir com as áreas, dinamizar serviços e tornar mais freqüente o acesso aos espaços e às informações. Segundo Míriam, a idéia é interrelacionar-se com as áreas-chaves do banco para um contínuo resgate da sua produção documental, formando uma rede de correspondentes permanente, sensibilizar as pessoas e implantar a cultura da preservação da memória na organização e estimular a formação de lideranças estratégicas para o processo de valorização da memória do Itaú Unibanco. Tem como atribuição de assegurar a preservação física da documentação de ambos os acervos sob sua gestão, a produção documental no Banco, a manutenção de uma coleção de livros raros na Sala Alfredo Egydio de Souza Aranha e a promoção de exposições culturais e educativas, fixas e itinerantes, pelos pólos administrativos, sensibilizando as pessoas e implantando a cultura da preservação da memória na organização.

A equipe realiza visitas monitoradas à Sala Alfredo Egydio e/ou ao Espaço Memória, sendo que para o público interno a função é a integração presencial corporativa de funcionários, a interrelação com os programas internos de incentivo, a integração de equipes vindas de diversas regiões do Brasil e de gestores vindos de diversos pontos do país e da América Latina. Para o público externo, o alvo são visitantes da comunidade interessados, convidados da Direção, entidades, Febraban, Itautec, Itaú Cultural, Universidades, centros de memória e também o atendimento a jornalistas.

A agência KlaumonForma ainda aproveitou a ocasião para lançar oficialmente seu Núcleo de Memória Empresarial, gerido por Débora Rubin, Suzana Vernalha e Vivianne Aléssio. Há um site com vários exemplos de trabalhos – http://www.nucleomemoriaempresarial.com.br/ . Participaram representantes de empresas como Abbott Brasil, Nívea, Consórcio Via Amarela, CSN, Aché Laboratórios, Comgás, Natura, Atento, Gol, Camargo Correa, Banco Ibi, Editora Abril, Claro, Fundação Bunge, IBM, Mantecorp, Bombril, Kimberly Clark, Bradesco, Nestlé, Promon Engenharia, Fundação Vanzolini, Basf, Sabesp, TNT, Unimed Paulistana e Votorantim, além de pesquisadores no tema.


RP Rodrigo Cogo – Conrerp SP/PR 3674
Gerenciador do portal Mundo das Relações Públicas (http://www.mundorp.com.br/)

This entry was posted on segunda-feira, 13 de julho de 2009 and is filed under ,. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. You can leave a response.