Relações Explosivas




- “Tenho uma coisa chata pra te contar. Muito chata”. Medeiros respirou fundo e arrematou: - “Azevedo e Suzana estão tendo um caso”.

Manhã de segunda-feira, gabinete da presidência da empresa. Magalhães, o presidente, ainda digeria uma desagradável notícia que acabara de ler em sua caixa de e-mails quando tomou conhecimento de outra bomba. O mensageiro era Medeiros, diretor de Recursos Humanos. A informação trazida como uma rajada de metralhadora não tinha tom de fofoca. Sem dúvida, o assunto estava na esfera profissional. Afinal Azevedo e Suzana eram também diretores, reportavam-se à Presidência, portanto, fazendo parte do alto comando da empresa. Para apimentar a questão, eram casados. E ao que constava, bem casados.

Magalhães inclinou a cadeira, colocou as mãos por trás da cabeça como fosse submeter-se a um exercício de alongamento. Sentiu a preocupação que ocupava a sua mente segundos atrás desvanecer-se rapidamente enquanto o novo e bombástico tema ocupava todo o espaço.

- “Você tem certeza?”

- “Absoluta. Quer dizer... quase absoluta.”

Embora estivessem a sós, de portas fechadas, Medeiros começou a sustentação de sua tese falando baixo, quase sussurrando.

- “Uma fofoca corria nos corredores já há algum tempo. Baseado nisso, discretamente, fiz minhas sindicâncias. Encontrei estranhas coincidências: nos três últimos meses, aparentemente a trabalho, os dois viajaram nas mesmas datas para os mesmos lugares – Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba -, hospedaram-se nos mesmos hotéis... Muitos “mesmos” pra ser pura coincidência, não acha? Passei a ficar de olho nos dois. Em reuniões de diretoria, flagrei várias trocas de olhares nada profissionais entre eles. Por diversas vezes, trancaram-se ora na sala de um, ora na de outro. Nenhum assunto profissional mereceria tantas reuniões a dois e a portas fechadas. Não bastando, chegaram ao meu conhecimento informações vindas de pessoas que os viram juntos em restaurantes da cidade em atitudes comprometedoras. Jeitão de namoro - disseram. Alguém os viu saindo de um motel. Tomando todos os cuidados possíveis, contratei um detetive para segui-los e...”


- “Ok, ok, ok...“ – Magalhães interrompeu o relatório levantando-se da cadeira. Cortara a conversa não porque já estivesse convencido de que os seus subordinados fossem realmente amantes mas porque temia tomar conhecimento de ações praticadas pelo diretor de Recursos Humanos. Com a melhor das intenções, no afã de elucidar o caso, Medeiros poderia ter ultrapassado os limites legais, usando de expedientes não-éticos, até mesmo criminosos, tais como grampos, filmagem, violação de correspondência, etc. Medeiros era um profissional competente mas, às vezes, estabanado. Para resolver um problema poderia estar criando outro ainda maior. Melhor não saber mais sobre as tais sindicâncias. Mas captou a gravidade da situação, embora não soubesse ainda avaliar a extensão dessa gravidade. De qualquer forma, era um pepino. Pelo ineditismo, pela natureza, pela delicadeza, um pepino dos grandes.

Magalhães sabia que numa empresa daquele tamanho deveriam existir casos e mais casos semelhantes. Muitos deles assumidos à luz do dia. Não existia nenhuma norma escrita de como tratar a situação. A linha adotada era de não meter a colher. Desde que não afetasse os negócios, deixar rolar. Quando a relação era assumida entre funcionários trabalhando dentro de uma mesma função, a política da empresa era, com todo tato, separa-los funcionalmente. Mas o ineditismo estava no fato do caso ser entre cachorros grandes, um caso que aparentemente já estava na boca do povo. Pico de audiência no grapevine. Embora os negócios possam não vir a ser afetados pela boataria, a fofoca sempre agita o clima organizacional. Mexe com a imagem da alta direção. “Quando a coisa é lá em cima, eles fazem vista grossa”. E dentro da diretoria, cúpula da empresa, uma relação dessa natureza incomoda. Saia-justa geral. Para dizer o mínimo.
Por outro lado, Magalhães assumia que não tinha nenhuma habilidade para lidar com esse tipo de problema. Ficaria muito mais confortável se tivesse que encarar uma bruta recessão, uma greve de operários, um desfalque na empresa, enfim, outro tipo de pepino. Não iria tirar de letra, mas se sentiria muito mais à vontade na administração de uma crise dessa natureza.

Como de praxe, deveria ter perguntado ao subordinado o que ele sugeriria fazer. Por precaução, preferiu não faze-lo. Medeiros estava nitidamente agitado. Conhecendo-o bem, Magalhães sabia que não fora fácil para ele ser portador daquela notícia. Ate porque Azevedo e Suzana eram amigos dos dois, dele e do Medeiros, companheiros de longa data. Optou então por mudar de assunto, trazer à baila um pepino de menor proporção, sem antes deixar transparecer que considerava o caso grave e que iria pensar em como resolve-lo. A opção fez Medeiros respirar aliviado. De uma só cajadada, resolvera dois problemas: contara o caso e não fora cobrado quanto ao que sugeriria fazer. Caso fosse, não saberia o que dizer. Enfim, o mico não estava mais somente sobre os seus ombros.

Sobre o assunto, objetivamente, Magalhães não fez nada naquele dia. Nem nos seguintes. Mas o caso não lhe saia da cabeça. Estava ocupando-se de um problema – que eram muitos – de repente, o caso ressurgia sem pedir licença como um fantasma mal-educado. Um cadáver insepulto. Uma alma penada. Pior, não tinha com quem falar a respeito. Aconselhar-se com outros diretores da empresa, era arriscado. Não sabia quem sabia do caso. Além do mais, era uma cambada de fofoqueiros. Poderia estar botando lenha na fogueira. Melhor, não. Pensou em conversar com a esposa. Obviamente, não como fofoca, mas como desabafo. Um ombro amigo. Ela conhecia os supostos amantes. Até gostava deles. Quem sabe uma visão feminina, fora do ambiente executivo, pudesse acrescentar algo? Rápido, mudou de idéia. A revelação poderia botar uma monumental pulga atrás da orelha da esposa. “Se Azevedo e Suzana, para mim, ambos, até então bem casados, agora são amantes, como posso acreditar que você não tenha também os seus casos, você que é o presidente daquele prostíbulo?” A hipótese desse tipo de reação não era absurda. A esposa era ciumenta, meio barraqueira e Magalhães não tinha uma ficha totalmente limpa. Enfim, a revelação poderia trazer a crise para dentro de casa. Com Medeiros, o único interlocutor confiável, por não ter o que dizer, evitava trazer o tema de volta.
Algum tempo depois, ao terminar um despacho de rotina, como quem não quer nada, perguntou sobre o caso. Medeiros, com a segurança de que o problema não era mais de sua alçada, informou.

- “Pelo que me consta, o caso segue de vento em popa”.

O caminho do “fazer alguma coisa” era esburacado. O primeiro passo seria certificar-se que o caso realmente existia. Havia uma chance - muito pequena, na verdade - de tudo não passar de pura imaginação. As aparências enganam e “a maldade nessa gente é uma arte” – lembrou do samba. Para que não pairasse dúvidas, poderia chamar ao seu gabinete um dos dois pombinhos – e por uma questão de conforto o mais adequado seria convocar o homem - e, olho no olho, na bucha, perguntar se era verdade o que corria à boca pequena. Mas pelo que conhecia da natureza humana, tinha certeza que a chance de uma confissão era próxima de zero. Ainda corria o risco de receber uma lição de moral do subordinado quanto ao dever de dar satisfações sobre vida pessoal, etc. A alternativa poderia ser a linha da investigação profissional sigilosa sugerida por Medeiros, talvez até iniciada por ele. Logo imaginou reuniões secretas em seu gabinete com um araponga lendo relatórios, exibindo fotos e gravações. Baixaria total. Sentiu-se um crápula só em pensar na possibilidade.

Na medida em que não decidia o que fazer, a situação foi sendo empurrada com a barriga.

Dado o adiantado da hora, encerro aqui a minha participação. Deixo com você, leitor(a), a tarefa de escolher o fim da estória. Para facilitar o seu trabalho, desenhei três cenários possíveis quanto ao que poderá estar ocorrendo um ano depois na empresa. Mas caso queira criar um quarto desfecho, fique à vontade.

No primeiro cenário, o caso continuou rolando. A comunidade o assimilou e o assunto saiu das manchetes. Nos happy hours da galera, uma ou outra piadinha de vez em quando traz o tema de volta. Claro, a situação ainda incomoda os diretores mas vai-se levando. Pelas costas, alguns acham que Magalhães foi frouxo em não rodar a baiana chamando os amantes às falas. A omissão pegou mal. Outros dizem compreender que a situação era delicada e que não gostariam de estar na pele dele. Medeiros, em paz com a sua consciência, nunca mais falou no assunto.

No segundo cenário, o caso acabou. Fadiga de paixão. Azevedo e Suzana continuam na diretoria e se relacionam como se nada tivesse acontecido entre eles. Na empresa, o affaire foi totalmente esquecido. Quando lembra do caso, Magalhães regozija-se por não ter feito nada. Seu lado vaidoso considera que a decisão de ”laisser faire, laisser passer” decorreu de sua sabedoria. Ah! Corre um boato que Azevedo agora está de caso com uma secretária. Suzana está grávida. Do marido - espero.

No terceiro cenário, Azevedo e Suzana assumem a relação de público. Ambos se separaram de seus respectivos casamentos. Como a política da empresa não permite que casais trabalhem juntos – para evitar formação de quadrilha – estuda-se a possibilidade de um dos dois ser transferido para uma empresa subsidiária. Alguns meses depois, Azevedo e Suzana anunciam que vão se casar e convidam Magalhães e mulher para padrinhos.



Roberto de Castro Neves











This entry was posted on terça-feira, 19 de maio de 2009 and is filed under . You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. You can leave a response.