Desafios da gestão multicultural fazem parte do cotidiano dos comunicadores





A proposta era refletir sobre as formas de resolver questões interculturais para adquirir vantagens competitivas que fortalecessem a posição da organização num mundo globalizado e identificar perspectivas culturais que são geradas quando campanhas de comunicação para corporações globais são implementadas, a partir de indicadores de comportamento. E o desafio foi vencido pelo consultor mexicano Salvador Apud, que esteve em São Paulo/SP para o treinamento “Comunicação Intercultural: Cultura, Diversidade e Comunicação”, organizado dentro do Programa de Cursos Avançados Internacionais da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial/ABERJE durante todo o dia 12 de agosto de 2009.

O instrutor é associado sênior do Instituto de Formação em Gestão Intercultural/ITIM Internacional para as Américas. Ele começou discutindo problemas de enfoque nas estratégias de absorção de indicadores culturais de outros países, a começar pelas opções de livros do tipo “como fazer negócios em...”, porque trazem a perspectiva de uma única pessoa e uma única visão de vida, sem adequação à realidade do leitor. Outro erro freqüente apontado diz respeito às prioridades de disciplinas dos cursos de Relações Internacionais. Pesquisa da consultoria Pricewaterhouse Coopers, com executivos experientes de grandes empresas, aponta que as diferenças de legislação, contábeis e fiscais e até as diferenças de práticas de gestão recebem menos atenção ou preocupação do que as alterações de comportamento individual e as diferenças culturais. Outro processo normalmente equivocado nas estratégias de globalização das empresas, na opinião dele, acontece na exportação ou abertura de unidades no exterior sem ter antes uma consolidação no próprio país. Há uma série de organizações com forte presença internacional sem ainda ter uma política de relacionamento cultural definida. A tendência à padronização de comportamentos, métodos e estruturas conforma outra situação de erro comum. “Há um limite na uniformidade de políticas e técnicas. Cada organização, para ser efetiva, precisa de uma cultura, de um modo de fazer as coisas. Os conceitos que existem sobre isto estão obsoletos”, assinala.

Ainda outra questão foi questionada por Apud: o uso de livros e seus modelos de gestão e cãounicação estrangeiros, que têm validade como ponto de análise, mas não compreendem as dinâmicas de outras comunidades, dadas as evidentes distâncias culturais. Há, conseqüentemente, um desenho e uma produção de campanhas de comunicação impregnadas de erros pelo descuido com os ambientes interculturais. E todos os elementos básicos da comunicação recebem impacto, como a linguagem e as reflexões sobre tradução textual e significado, os valores, o estilo de comunicação verbal e não-verbal e as variações de conteúdo e contexto, a matriz de comunicação com ênfase no gênero interpessoal ou nos meios e ainda o estilo retórico. Ele comenta que “quando as práticas e teorias de comunicação viajam através das fronteiras nacionais, sua efetividade é inversamente proporcional à distância cultural entre os países de origem e destinatário”. Toda gestão envolve os juízos etnocêntricos e os choques culturais e por isto “alcançar a unidade global através da incorporação da diversidade cultural é uma das metas mais transcendentes hoje. E o primeiro passo é tomar ações para compreender a situação intercultural”. O desconhecimento frente a estas questões leva a resultados negativos significativos frente às fusões internacionais, de acordo com apontado por pesquisa da KPMG: 54% delas destruíram valor, 30% não permitiram detectar avanços e somente 17% agregaram valor.

Um dos recursos que podem ser lançados pelos comunicadores é a aprendizagem sobre Psicologia Cognitiva e como se dá significado às coisas, como se experimenta o mundo exterior através dos sentidos. O comportamento humano deriva de um conjunto de cultura nacional apreendida coletivamente por um grupo, as características herdadas e de formulações individuais. A cultura organizacional está impregnada em sua essência destes valores amplos como códigos acordados entre todos, recobertos de símbolos, heróis e rituais. “Estranho que os processos de recrutamento das empresas buscam perfis de personalidade e não os perfis de valores. Os significados que temos advêm da forma com que os aprendemos e registramos antes na mente. Mas sempre teremos uma ideia incompleta do que ocorre”, assinala ele. Experimento com estudantes norte-americanos e japoneses, solicitados a descrever uma imagem que continha um aquário, mostrou a complexidade das diferenças culturais: os primeiros falaram nos peixes, e os outros citavam em detalhes as pedras, o recipiente, as plantas, sem focar nos peixes.

Apud então buscou afinar a conceituação de cultura. Em um sentido limitado, seria civilização ou artes, e num sentido antropológico é a programação coletiva da mente humana que distingue um grupo de outro. A cultura nas organizações pode ser facilitadora ou inibidora das comunicações, porque ela pode afetar formas de pensar, perceber e dar significado; influenciar a preferência por valores; determinar as formas de comunicar, atuar e organizar e de relacionar. O modelo 7S da Efetividade Organizacional da consultoria McKinsey trata da cultura organizacional numa rede interconectada de estrutura, sistemas, competências-chave, estilos de liderança, processos de trabalho e metas e estratégias. A atuação multicultural, segundo o modelo 5D de competências cross-cultural da ITIM, depende de atributos pessoais como valores, crenças, flexibilidade, perseverança, capacidade multilínguas e conhecimentos culturais geral e específicos da nação. A estes componentes é acrescentada a estrutura institucional da empresa, que pode ser mais ou menos etnocentrista. Estranhamente, pontua ele, casos de escolha de expatriados nas empresas decorrem somente da experiência técnica, o que tem levado a 70% de insucessos nestas experiências.

DIMENSÕES – O modelo de Geert Hofstede de comportamento das pessoas nas organizações multiculturais, realizado com mais de 100 mil trabalhadores em vários países do mundo, foi analisado. Ele indica que as diferenças culturais entre países podem ser explicadas por quatro dimensões da cultura. A distância do poder (PDI) é o grau no qual os membros menos poderosos das organizações aceitam que o poder está distribuído desigualmente. Sociedades de baixo PDI requerem maior independência, usam a hierarquia por conveniência, dão ênfase à igualdade e têm superiores sempre acessíveis com estilo gerencial consultativo. Aquelas com alto PDI têm maior dependência, a hierarquia é existencial, há ênfase nos privilégios e símbolos de status e os superiores estão pouco acessíveis com estilo gerencial paternalista. O manejo com autoridade tem implicações na tomada de decisões, no fluxo de informações, no reconhecimento de status e posição, na delegação e empoderamento e nas atitudes entre chefes e subordinados.

Outro indicador de Hofstede é o nível de indivualismo e coletivismo (IDV). Em sociedades individualistas as pessoas protegem-se e preocupam-se somente consigo mesmas e com sua família mais próxima. Valem as opiniões individuais, é difícil trabalhar em equipe, a comunicação é implícita e há perda de auto-estima e culpa. Em sociedades coletivistas, as pessoas pertencem a grupos (famílias, organizações) que os protegem e se ocupam deles em troca de lealdade. Valem as opiniões do grupo, equipes muito unidas são possíveis, a comunicação é implícita e há perda de identidade. No manejo de relações, muda o estilo da comunicação direta ou indireta, com preponderância ou não dos negócios, e influência na natureza da relação empresa e empregado – contratual ou moral. O processo de comunicação coletivista tem interação verbal indireta, mensagens implícitas e foco na criação de harmonia. A comunicação individualista tem interação verbal direta, mensagens explícitas e foco na liberdade de expressão. Ele explica que a comunicação direta é específica e precisa, valora as regras e descreve as conseqüências, já a comunicação indireta é imprecisa, valora a intuição e usa a ambivalência nas descrições. Há nos dois casos diferenças de contexto, que é quase nulo nos emails, cresce no telefone e é maior na interação face-a-face. Motivado por perguntas da platéia, ele sentencia: “não há um modelo melhor. O empowerment, por exemplo, só funciona para um quarto da população do planeta, para o restante não”.

A outra dimensão é o nível de masculinidade (MAS). Os valores dominantes nas sociedades masculinas são o trunfo dos planos e projetos como ferramentas de status, com objetivos claros e incentivo à confrontação e à competitividade, enquanto que nas femininas há preocupação com os demais e com a qualidade de vida sobre os resultados em si, sendo mais flexíveis, atuando em co-operação independente na busca de consenso com metas mutáveis. Entre as implicações das sociedades deste enfoque está a escolha entre competitividade e solidariedade, entre desempenhos e necessidades, entre crescimento econômico e segurança social, entre confrontação e negociação.

O último ponto trazido pelo modelo de Hofstede é o nível de recusa da incerteza (UAI), ou seja o grau em que os membros de uma sociedade sentem-se ameaçados pela incerteza e ambigüidade e se esforçam para evitar essas situações. Uma taxa baixa de UAI mostra pouca necessidade de estruturas e regras, com ênfase em assumir riscos e não mostrar emoções, numa sociedade de pessoas mais descontraídas. Já nos grupos com alta tendência a evitar incertezas, há necessidade de estruturas e regras, com ênfase em segurança, mostrando emoções e com integrantes mais estressados. As implicações no manejo da incerteza acontecem na aceitação e reação diante de situações de riscos, contrabalanço entre necessidade de válvulas emocionais e de segurança e em diferenças nos processos de planejamento.

Estiveram presentes profissionais de empresas como Itaú-Unibanco, Natura, Abbott Farmacêutica, Vale Soluções em Energia, Rio Tinto, Baxter Hospitalar, Bimbo do Brasil e Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista/CTEEP. No mesmo formato de qualificação, já estiveram na entidade neste ano os consultores Paul Argenti e Shel Holtz, que falaram respectivamente de gestão estratégica da reputação e monitoramento de mídias sociais.

AGENDA – Mais um curso avançado internacional já está confirmado na agenda da ABERJE. Dia 28 de agosto de 2009 é a vez de Don Stacks estar em São Paulo/SP para o treinamento “Indicadores de Imagem e Reputação: reflexões e práticas sobre Mensuração”. Ele é diretor do programa de Relações Públicas e professor da Escola de Comunicação da Universidade de Miami na Flórida/EUA, instituição onde fez Doutorado. É autor do “Dicionário de Mensuração e Pesquisa em RP e Comunicação Organizacional” publicado no Brasil pela ABERJE Editorial, em segunda edição. O curso vai ser desenvolvido em conjunto com Suzel Figueiredo, profissional de RP, professora de Pesquisa da FAAP e diretora do DatABERJE e da empresa Ideafix Estudos Institucionais. Conselheira da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa, ela também é mestranda na ECA/USP. Veja mais no link http://www.aberje.com.br/novo/curso_detalhes.asp?id=125 ou pelo email cursos@aberje.com.br e fone 11-3662-3990.


RP Rodrigo Cogo – Conrerp SP/PR 3674
Gerenciador do portal Mundo das Relações Públicas (http://www.mundorp.com.br/)

This entry was posted on sábado, 29 de agosto de 2009 and is filed under . You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. You can leave a response.