É a vez do engajamento de stakeholders






O tema está longe de ser novo, e tampouco se configura num modismo. Mas o fato é que o engajamento de stakeholders está no topo das discussões internacionais de gestão colaborativa, de processos de sustentabilidade e de uma nova configuração da comunicação corporativa. As consultoras Priscila Navarrette e Giselle Tromboni falaram sobre o tema em curso na ABERJE – que atualmente reúne as Associações Brasileiras de Comunicação Empresarial, Branding e Comunicação Organizacional – no dia 5 de novembro de 2008 na sede da entidade em São Paulo/SP. O evento reuniu mais de 20 profissionais ligados a comunicação, recursos humanos, responsabilidade social e criação e gestão de mídia de quatro estados brasileiros.

Hoje, as organizações bem sucedidas já sabem que buscar somente a satisfação de seus clientes não é suficiente para se alcançar o sucesso. Sabem, portanto, que precisam estabelecer uma dinâmica de relações que crie valor para todos os seus públicos de relacionamento - ou stakeholders -, e que devem estabelecer um processo sistemático de engajamento que demonstre a identidade da empresa nessas relações, visando o fortalecimento e sustentabilidade da sua estratégia de negócios e a conseqüente geração de valor compartilhado. Cada vez mais as organizações têm responsabilidade com todos os seus grupos de partes interessadas, por todas suas atividades em todas as localizações geográficas e unidades operacionais. “Nos últimos 20 anos, estamos vivendo uma grande transformação no papel das empresas”, analisa a relações públicas Giselle, especialista em Planejamento Estratégico de Marketing, Comunicação Integrada e Branding e consultora há 24 anos. Ela refere-se, por exemplo, à alta exposição de empresas e governos num ambiente ultraconectado, onde a transparência passa a ser imperativo e onde os funcionários e cidadãos estão cada vez mais críticos e buscando alinhamento de valores.

O uso do termo “stakeholder” é recente e começou a ser difundido na literatura de administração e governança corporativa a partir da publicação, em 1984, da obra “Strategic Management: a stakeholder approach”, de Edward Freeman. A intenção dele era propor uma visão mais ampla e inclusiva do papel e do propósito das empresas na sociedade do que a doutrina até então vigente, e com isto levantar duas questões: de quem são os interesses que estão sendo atendidos e os que deveriam ser atendidos. O estudioso então teorizou: “stakeholder é qualquer indivíduo, grupo ou instituição que possa afetar ou ser afetado pelas decisões, práticas ou objetivos de uma organização”.

Ela pontua que estamos passando de uma sociedade industrial e internacional, baseada na aparência e com supremacia da tecnologia, do consumo e do market share, em ambiente controlável onde os tangíveis têm mais força, para uma sociedade do conhecimento global, baseada na transparência e com primazia da biotecnologia, do consumo consciente e do market value, que vem dos ativos intangíveis e dentro de um ambiente incontrolável. Giselle diz que a gestão passa das transações num ótica de passado e presente para as relações de um momento de presente e futuro. Da independência, a sociedade se move para a interdependência, saindo do mundo da mecânica para a biologia. Em termos de competência, acrescenta a consultora, não é mais a vez do marketing, da imagem, do público-alvo, de segmentos tendo como base um portfólio de produtos, mas sim do branding, da identidade, dos stakeholders, dos indivíduos com base na arquitetura de marcas. “O mundo está sofrendo um processo de descentralização e de multiplicação de referências. Engajamento é estabelecer relações de qualidade”, conclui.

A consciência sobre a interdependência é fundamental. Com a sociedade globalizada, cada vez mais os mercados locais tendem a ser afetados e ter seu controle quase impedido pelas demandas externas, ficando instável a previsão sobre negócios e economia nacionais. De outro lado, há desigualdades quase inacreditáveis. Priscila Navarrette refere que a base da pirâmide da exclusão tem 4 bilhões de pessoas no mundo com ganho inferior a US$ 1,5 mil por ano, então cada vez mais precisam ser firmados os três vetores do desenvolvimento – social, econômico e ambiental. “Não adianta só a conscientização, precisamos criar processos para agir”, conclama. Formada em Direito e especializada em Sustentabilidade e Responsabilidade Corporativa pela Fundação Getulio Vargas e Fundação Dom Cabral, ela vê uma espécie de privatização da regulamentação, e acresce: “o mercado se auto-regula e adota princípios supra-legais. Não são atitudes obrigatórias por lei, são pactos regulatórios absorvidos e requisitados”. Neste sentido, “à medida em que a gente aprende a mapear as externalidades e os públicos de relacionamento, nós conseguimos traçar uma estratégia de negócio permeada pela sustentabilidade”.

Por isto, Priscilla defende que é preciso agregar temas que estão na periferia das organizações e não conformam exatamente seus focos principais, mas influenciam diretamente sua atuação. Afinal, qualquer decisão tomada sempre afeta uma ou mais pessoas. Citando os conceitos fundamentais da excelência em gestão da Fundação Nacional da Qualidade/FNQ, Giselle reforça que as organizações estão operando cada vez mais sob a forma de redes dinâmicas e abertas, fazendo com que a habilidade fundamental desta época seja atrair, criar e manter relações. “Temos que reaprender a nos relacionar e engajar com os públicos”, arremata Priscilla.

ENGAJAMENTO – Engajamento é o esforço da organização para entender e envolver seus públicos de relacionamento e suas expectativas em suas atividades e seus processos de tomada de decisão. O processo inicia pelo entendimento das necessidades e desejos dos stakeholders mapeados para modelar oportunidades e formatar a identidade da marca, com sua missão, visão e valores traduzidos na cultura e nas práticas cotidianas. Os impactos sociais, ambientais e econômicos de cada atividade da empresa precisa ser o ponto-de-partida para priorizar questões e desenvolver uma cultura do diálogo, aprendizado e inovação, tudo construído colaborativamente. A fonte de inspiração da inovação tradicional vinha dos executivos, mas na inovação orientada ao consumidor vem das pessoas. O processo de estrutura linear é transformado numa espécie de caos controlado. Nesse sentido, a norma AA1000 (criada em 1999 pelo Institute of Social and Ethical Accountability de Londres) trata justo do engajamento como elemento central no processo de gestão, monitoramento e comunicação da performance no “triple bottom line/TBL”. Há três níveis de geração de engajamento: o primeiro é motivado por pressão, para aliviar problemas e com benefícios localizados; o segundo é o engajamento sistemático para gerenciar riscos e gerar aprendizagem; chegando no terceiro que é estratégico e integrado criando competitividade sustentável.

Elas ensinam que o ciclo de engajamento envolve três princípios e cinco estágios. Há o pensamento estratégico, a análise e o planejamento, o fortalecimento das capacidades de engajamento, o desenho do processo e a ação, revisão e reporte/feedback para os públicos. O princípio-mor seria a inclusividade, que pensa no reflexo das visões e necessidades de todos os grupos de partes interessadas, trazendo materialidade (saber o que é importante), completude (conhecer impactos e o que se fala) e resposta (retorno às preocupações das pessoas). Neste caminho, pensar estrategicamente é identificar oportunidades estratégicas de engajamento na organização, em que o passo “zero” e fundador deve ser a garantia do aval da alta liderança, para só então iniciar o mapeamento, a identificação de questões críticas, estabelecimento de objetivos e priorização das questões para cada público. Priscilla cita Don Tapscott e David Ticoll que, em “A Empresa Transparente”, disseram: “armadas de novas ferramentas para descobrir dados sobre assuntos que afetam seus interesses, stakeholders agora esquadrinham as empresas, como nunca antes, passam informação a outros e organizam respostas coletivas”.

Mudou o “marketing tool kit”, que sai dos meios de comunicação convencionais de massa ou dirigidos, para migrar para a interatividade da internet e da telefonia móvel. “Os indivíduos em rede filtram e avalizam não só a qualidade do produto/serviço como também a reputação das marcas, imediata e publicamente”, pontua Giselle. O desafio e a oportunidade, portanto, é estabelecer um processo sistemático de engajamento que promova o exercício da identidade da empresa na relação com seus públicos de relacionamento, visando ao fortalecimento de sua estratégia de negócios e de sustentabilidade, e a conseqüente geração de valor compartilhado. É um diálogo estratégico que desenvolve um vínculo de confiança baseado em temas de interesse comum. “Mas é importante dizer que ouvir não significa executar. Só que precisa ao menos reagir, dar uma resposta. Temos que ser educados para ouvir”, pondera Priscilla.

MAPA – Um dos pontos mais debatidos no curso foi o mapeamento de stakeholders, uma radiografia detalhada do círculo de relações que suporta determinada marca numa visão estratégica. Há diversos critérios possíveis para identificar os públicos, como proximidade (intimidade e constância quanto à entrega de valor da marca), natureza da relação, interesse em comum e construção de valor. A norma AA1000 fala em públicos primários e secundários, sociais e não-sociais, diretos e indiretos. É a partir do mapa que vem a definição dos temas. O The Stakeholder Engagement Manual traça algumas matrizes de priorização de questões. A matriz de maturidade trata dos assuntos latentes, emergentes, consolidados e institucionalizados. Já a matriz de influência da organização e da dependência dos stakeholders categoriza as partes em alto e baixo. “É preciso ter um grau interno de maturidade muito bom para saber escolher os temas que vão expor depois a empresa”, destaca Priscilla.

Em resumo, é preciso entender o jeito de cada stakeholder – suas expectativas, conhecimetno sobre a questão, legitimidade e representatividade, disposição para engajar, contexto cultural, presença geográfica, capacidades. Daí que aprender com os pares e identificar parceiros que podem estar endereçando as mesmas questões e podem até intermediar contatos é um salto estratégico. Afinal, o processo de engajamento é complexo, incluindo informar, transacionar, consultar, envolver, colaborar e empoderar, para chegar à confiança e à credibilidade. É neste caminho que entra também a comunicação, e para dar informações tem os press-releases, boletins, discursos, propaganda, site, e para as respostas os hot-lines telefônicos, as cartas, as reuniões de consulta, as análises de mídia. Na interação, estão as reuniões, palestras, open-day, eventos patrocinados, interfaces on-line, grupos de discussão, pra chegar no diálogo com face-a-face individual, painel de stakeholders, consultas segmentadas. Priscilla indica um check-list para este processo, começando por definição de escopo, desenvolvimento de plano de comunicação, identificação de um facilitador, estabelecimento de regras para engajamento, preparação de logística e cuidado com registro e certificação do evento. “O resultado disto tudo é, no mínimo, a legitimação das condutas”, enfatiza.

A última fase trata da tradução dos novos aprendizados, insights e acordos em ação e prestação de contas. Algumas reflexões passaram a ser instauradas a partir da criação dos relatórios no modelo da Global Reporting Initiative. A GRI é uma rede internacional que elaborou o modelo para relatórios de sustentabilidade mais usado no mundo atualmente. O conjunto de princípios, protocolos e indicadores desenvolvidos torna possível gerir, comparar e comunicar o desempenho das organizações nas dimensões social, ambiental e econômica. Traz as vantagens e técnicas na elaboração de relatórios, mostrando como as organizações podem fortalecer sua reputação e contribuir para o desenvolvimento sustentável. A essência é que a opinião pública precisa ser considerada, porque cada tipo de organização tem ponto críticos reconhecidos de modo geral pela sociedade. A partir disso, deve haver uma ferramenta de auto-avaliação para identificar impactos. Não é diferente com o Dow Jones Sustainability Index/DJSI, que prega que as decisões de gerenciamento relacionadas à sustentabilidade devam considerar, entre outros itens, a reputação frente aos stakeholders e o potencial de inovação impulsionado pelos públicos. Já o ISE, índice do Bovespa, ajuda a entender que engajar partes interessadas significa consultá-los sobre as questões fundamentais de sustentabilidade, e esta inclusão de parceiros nos processos decisórios demonstra que o engajamento é mais do que comunicação.


O The Materiality Report destaca que as empresas precisam identificar o que é material a fim de gerar aprendizado e inovação. Segundo o Reader’s Voice, na visão de 56% dos leitores, as empresas poderiam demonstrar que elas levam a sério o engajamento de stakeholders, convidando-os para expressar suas opiniões no relatório. No entanto, não deveria ser o único exercício, porque não haveria sentido em consultar públicos apenas no contexto da prestação de contas. O curso, que foi finalizado com uma dinâmica de simulação de Painel de Stakeholders, derivou de demandas entre os participantes de outro treinamento da ABERJE - sobre relatórios de sustentabilidade no modelo GRI - ministrado no mês anterior.

Entre as empresas presentes estavam Unimed do Brasil, Vale, Grupo TV1, The Media Group, GSA e Banco Mercantil do Brasil, tendo ainda instituições como Sebrae, USP, FGV, Instituto Akatu, Sesi e a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. Informações sobre a agenda de cursos até o final do ano e mesmo no verão podem ser obtidas pelo eventos@aberje.com.br ou no 11-3662-3990 com Carolina Soares ou Fernanda Peduto.



RP Rodrigo Cogo – Conrerp SP/PR 3674
Gerenciador do portal Mundo das Relações Públicas (http://www.mundorp.com.br/)

This entry was posted on sexta-feira, 14 de novembro de 2008 and is filed under . You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. You can leave a response.