Afetos acessam a memória através da contação de histórias




A mitologia grega consagra à figura de Mnemonise a tarefa de zelar pelos conhecimentos mais preciosos do universo, sobretudo por aqueles que advêm das experiências vividas. Deusa da memória, Mnemonise é a guardiã dos arquivos nos quais tudo o que se passa na esfera divina e humana é gravado. Lá estão todos os fatos históricos e as recordações que deles se têm. Lá estão os acontecimentos reais e os virtuais. O segredo desse cofre – ou em linguagem mais contemporânea, a sua senha de acesso –, é dado pelos afetos. Esta foi a perspectiva que deu início ao Comitê ABERJE de Memória Empresarial, realizado na manhã do dia 19 de setembro de 2008 na sede da entidade em São Paulo/SP, através da reflexão do publicitário e professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, João Carrascoza. O encontro, voltado para associados mas aberto para convidados externos, teve como tema “Emoção na Publicidade: uma força aliada da memória empresarial” e reuniu mais de 30 profissionais de diferentes origens envolvidos com a temática.




Segundo Carrascoza, que também é escritor ficcionista e trabalha como redator da agência JWT na capital paulista, são os sentidos que transportam as pessoas a um continente paralelo e labiríntico, onde se busca a matéria leve de que são feitos os sonhos. É por meio de histórias que se pode regressar ao passado para viver um novo presente e futuro, em que os afetos funcionam como gatilhos que acionam os circuitos da memória. A razão é despertada nas dissertações, e a emoção reside na contação de histórias, que são a reconstrução racional de uma emoção emanada da memória e acrescida de imaginação. “Assim, podemos preservar do esquecimento a vida que ali está, fresca e vicejante, ou estática e vitrificada”, complementa. Uma história nasce de algo já vivido, de uma sensação a qual o criador almeja reconstruir, atualizar, operar o milagre de sobrepor à pele das coisas uma nova camada de vida. E, depois de acionada a memória, a imaginacão entra em cena, injetando sangue no novo relato que, por sua vez, fará parte também daquilo que o estudioso chama de “arquivo oceânico de nossa memória coletiva”.




Sempre recorrendo à mitologia, ilustrando seus conceitos e envolvendo a platéia, o professor conta que a deusa Mnemosine é filha de Urano (representa o Céu) e de Gaia (evoca a Terra), sendo mãe de nove musas do Olimpo, cada uma responsável por uma arte – Calíope (poesia épica), Clio (história), Euterpe (música), Erato (poesia lírica), Terpsícore (dança), Melpomene (tragédia) e Talia (comédia), evidenciando esta conexão com a sensibilização das pessoas. Daí que o resgate da memória pode ocorrer por meio dos cinco sentidos, e ele cita diversas personalidades que despertavam seu senso criador e sua emoção por intermédio das sensações, como Proust que escreveu “Em Busca do Tempo Perdido” degustando as bolachas francesas Madeleine, ou ainda Warhol que se encantava com perfumes, afora a centralidade do tato no quadro “Criação do Homem” de Michelângelo como ponto-de-partida da humanidade.




Com a experiência de ser autor de vários livros, como “Razão e sensibilidade no texto publicitário”, ele assinala que também no âmbito empresarial as corporações necessitam acionar a memória afetiva de sua comunidade para delas se aproximar. Por meio de histórias, consubstanciadas pela sua publicidade e pelos seus materiais e espaços institucionais, as organizações podem, de forma envolvente, interagir com seus públicos. E assinala: “para estar presente, precisamos contar a nossa história. Sejamos um homem ou uma empresa. Toda história, por mais simples que seja, sempre é uma chance de lembrarmos de nossa condição e, ante a sua dor e a sua delícia, compartilharmos afetos”. É consenso entre os presentes que se vive um momento em que a memória vem sendo muito acionada nas estratégias, porque são muitas histórias entremeadas num cotidiano fragmentado e globalizado. O que se deseja é obter diferenciação e entendimento. Afinal, como diz o filósofo russo Mikhail Bakhtin citado pelo palestrante, não existiria discurso puro – há sim uma intertextualidade, em que tudo seria híbrido. Como as memórias se sobrepõem, ganham o mundo e se tornam coletivas, avulta a importância da contação individual de histórias para garantir particularidade. Ele comenta que entre os instrumentos está a retomada de pedaços de mitos, que representam valores da organização, permeando futuras histórias, como os “mitemas” de Lévi-Strauss.




O processo criativo na área deve partir de uma análise do momento de vida da organização e do tipo de comunicação já realizada, inclusive dos concorrentes. A contação de histórias como recurso comunicativo depende do nível de conhecimento preexistente da empresa e de seus produtos pelos consumidores e cidadãos, pra poder fazer sentido. De toda maneira, a emoção também pode vir da memória de um funcionário, e começar por este viés. Para que boas idéias sejam efetivadas neste caminho, Carrascoza sugere que profissionais ligados a centros de memória estejam presentes em todas as reuniões de internas e com fornecedores para planejamento da comunicação. “São eles que dão o lastro de informação, a essência, embora cada um é autor da história atual da sua empresa. Todos devemos torná-la inesquecível”, enfatiza. Diante de alguma dificuldade de formatar argumentos, ele brinca e lança a pergunta pra finalizar: “o que é a vida que não lutar por causas perdidas?”.





COMITÊ – A primeira reunião do Comitê de Memória Empresarial aconteceu no dia 27 de março de 2007, já dentro das comemorações dos 40 anos da entidade. Entre as atribuições do comitê, segundo seu coordenador Virgínio Sanchez, está disseminar informações sobre história e memória empresarial, promover a gestão do conhecimento, estimular e reconhecer práticas de excelência, reunindo profissionais com interesses e desafios comuns. João Carrascoza foi o primeiro convidado externo do Comitê, que estava baseando sua ação no intercâmbio de melhores práticas entre empresas e profissionais participantes. Já foram feitas apresentações de trabalhos da Votorantim, Weg, Embraer, Suzano, Petrobras e Bosch em seis edições, afora uma visita técnica no Centro de Memória da Embraer. Entre as organizações representadas neste encontro estavam Algar, Grupo Pão de Açúcar, Hospital Albert Einstein, Holcim, Petrobras, Sabesp, Atento, Gerdau, Carrefour e Bahiagás.





O diretor-geral da ABERJE, Paulo Nassar, assinala que em tempos de protagonismo difuso, em que vários agentes são produtores e difusores de conteúdo com diferentes influências, há uma diversidade de discursos correntes. Estaríamos então vivendo uma verdadeira “guerra de narrativas”, onde é importante ter capacidade de discernimento, de reflexão e de raciocínio. Por isto, ele indica que os comunicadores, antes tarefeiros, hoje não podem pensar somente na estratégia. “Precisamos de intelectuais que saibam pensar o mundo, que entendam de cultura”, desafia. Até porque, conforme reitera Carrascoza, “o universo do imaginário compõe nossa vida muito mais que a concretude. O mundo é sensorial”, e para entendê-lo precisa conhecimento e cruzamento de percepções.





AGENDA – No sistema de governança estruturado para a entidade, que hoje agrega as Associações Brasileiras de Comunicação Empresarial, Branding e Comunicação Organizacional, está montado um calendário extenso de atividades. No dia 24 de setembro, vai haver o lançamento do Comitê de Comunicação Digital, com a presença do norte-americano Steve Crescenzo, no Reserva Cultural em São Paulo/SP. Já no dia 1 de outubro está confirmada na Casa do Saber mais uma edição do Comitê de Desenvolvimento Profissional, tendo como convidados a executiva Olinta Cardoso, diretora de Comunicação Institucional da Vale, e o head-hunter Alfredo José Assumpção, presidente da FESA Global Recruiters. A ABERJE também promove nos próximos dias as audiências de defesa pública de projetos de comunicação do Prêmio ABERJE 2008, com os vencedores das etapas regionais realizadas no decorrer do ano. Para saber mais sobre a programação, incluindo o calendário de cursos e conferências, visite http://www.aberje.com.br/ ou ainda telefone (11) 3662-3990.



RP Rodrigo Cogo – Conrerp SP/PR 3674
Gerenciador do portal Mundo das Relações Públicas (http://www.mundorp.com.br/)

This entry was posted on terça-feira, 23 de setembro de 2008 and is filed under . You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. You can leave a response.