A tentativa de entendimento profundo do comportamento do consumidor por empresas, consultorias e institutos de análise tem passado pelos estudos etnográficos. Ainda que um recurso existente há décadas, mais do que nunca todos se voltam para a potencialidade desta ferramenta qualitativa. Foi isto que atraiu cerca de 30 profissionais de Marketing e Comunicação, no dia 28 de agosto de 2008, para treinamento na sede da Associação Brasileira de Anunciantes (http://www.aba.com.br/) em São Paulo/SP.
Para a professora Ione de Almeida, algumas megatendências explicam a ênfase na procura pela área. A proliferação das marcas, o declínio da lealdade do consumidor, a globalização e novos níveis de competitividade e ainda a exigência dos consumidores por atenção e serviços agregados fazem parte desta nova realidade. Daí que a necessidade é entender o consumidor dentro de seu contexto, entender o consumidor “além da sua fala”, que revela valores e crenças, mas também a partir do que ele faz. “E o exercício de observar é a base da pesquisa e da etnografia, sem preconceitos e rotulagens”, destaca.
Basicamente, a etnografia é uma especialidade da antropologia que tem por objetivo o estudo e descrição dos povos. Baseia-se no contato inter-subjetivo entre o estudioso e seu objeto de análise. A etnografia permite uma visão mais holística do consumidor, observando-o em ambiente “natural” e decodificando as intenções sob o prisma da afirmação do indivíduo na sociedade. Ione comenta que há uma confusão significativa na demanda das empresas frente ao tipo de técnica de pesquisa para cada necessidade de tomada de decisão, e cabe ao instituto e ao pesquisador posicionarem-se e direcionarem a metodologia com seriedade.
Com experiência de 20 anos em pesquisa numa multinacional de alimentos, ela constata que há hoje uma apologia total aos estudos etnográficos e um certo descaso com outras técnicas qualitativas convencionais, o que é contraproducente em relação à idéia de complementaridade dos instrumentos. A Discussão em Grupo dá maior controle sobre as análises e discursos, obtendo-se uma opinião coletiva com ênfase no conteúdo a partir de um ambiente “artificial”, numa tendência ao socialmente aceito. Já a Etnografia busca a opinião individual a partir de um ambiente “natural”, com ênfase na observação da ação do entrevistado, não somente em sua verbalização, e buscando a inconsciência dos atos cotidianos. Enquanto a DG está centrada na verbalização (incluindo expressões não-verbais) através de grupos e entrevistas individuais em profundidade, com discussões e técnicas projetivas, a etnografia é a observação pura do comportamento, compreendendo contextos e a espontaneidade, através de técnicas como comprador misterioso, compra acompanhada e visitas ao consumidor. A professora enfatiza que há uma diferença entre o “falar” e o “agir” e cada técnica permite um conhecimento, já que o discurso captado nas DGs tende a remeter ao aspiracional, que também é relevante, mas difere da ação, da compra. “Um complementa o outro, não invalida. O que se vê às vezes na mídia é uma guerra, que não existe”, completa.
É exigido do pesquisador a capacidade de decodificar alguns aspectos relevantes da observação, como a cultura, a linguagem, o contexto físico-situacional e o comportamento. Com base nestes dados, pode-se ter insights para novos produtos, extensão de linha, comunicação, clima organizacional, experiências no varejo e usability design – manuseio de sites e celulares. Pode ser feito num espaço público (supermercado, aeroporto, lojas) ou privado (lares, escritórios). Em geral, são observados processos automatizados, não conscientes, numa avaliação minuciosa de rituais e rotinas diárias.
APLICAÇÕES – No diálogo com a pesquisa de mercado, a etnografia pode ser usada como método de pesquisa e como treinamento de RH, neste caso através da aproximação do contratante com seu público-alvo. Tudo precisa ter a contextualização da ação, do significado da ação e da relação com o ambiente. Como consumo é um processo sócio-cultural que envolve produção, troca e uso, é interessante perceber que vai além das necessidades de subsistência porque os bens estabelecem e mantêm relações sociais, construindo identidades, fazendo inclusão e exclusão e exprimindo aspirações. “O consumo é um fenômeno simbólico, coletivo e social”, manifesta a antropóloga Luciana Aguiar, sócia do Data Popular e segunda palestrante do curso.
Neste mundo, a coleta de dados se baseia no contato inter-subjetivo entre observador e observado, com várias técnicas. Tem a observação participante num convívio direto sem intermediação, vivenciando o cotidiano do grupo social, as entrevistas em profundidade que são semi ou não-estruturadas com utilização de roteiros, feitas individualmente e com gravação, e ainda os mapeamentos e genealogias. Em todos os casos, fazer a boa pergunta é fundamental. “A etnografia é um método de coleta de dados com observação participante, um esforço intelectual e analítico numa descrição densa e uma forma de escrita e de relato”, resume Luciana.
No campo da pesquisa de observação, há o Painel Etnográfico, que analisa diversas variáveis de comportamento de um mesmo grupo de pessoas num período de seis a 12 meses com relatórios mensais, permitindo acompanhar a trajetória de mudanças e oscilações, a identificação de imprevistos e uma visão aprofundada de valores. A pesquisadora acresce também o Ciclo de Consumo, que é a observação de comportamento de consumo e mudanças de orçamento familiar ao longo de um mês ou mais, com visitas periódicas, e ainda a Semana Popular, observação de diversas variáveis de uma família através da vivência com duração de sete dias, tendo contato com várias categorias ao mesmo tempo, construindo um relacionamento mais aprofundado. E ela justifica os longos períodos de convivência com os observados, dizendo que “comportamento não é um momento congelado no tempo, ele tem variações que precisam ser captadas”. Em geral, a pesquisa pode ser participante em um processo de ação (compra acompanhada, análise de refeição, faxina, atividade de lazer, uso de um serviço) com duração de meio dia, um ou dois dias; podendo ser consumidor misterioso (comportamento do vendedor e dos atendentes, da empresa ou dos concorrentes no ponto-de-venda).
A etnografia revela a realidade a partir do ponto-de-vista do “nativo”, ampliando o olhar sobre o target, que revela uma pessoa em interação social. A idéia é extrapolar o nível do discurso e compreender aspectos inconscientes do comportamento e as dissonâncias, encaminhando-se para identificar os mecanismos simbólicos que orientam ações e práticas de consumo. Luciana explica: “é capturar o espaço da significação em que os objetos são usados depois de comprados. Precisamos entender as perspectivas culturais”. Afinal, o que define o estudo não são técnicas e processos, mas um esforço intelectual num contexto ampliado. Ela interpreta os significados e o fluxo do discurso social para entender a realidade em sua totalidade, como um sistema articulado de dimensões – econômica, religiosa, familiar. “A etnografia entende a diferença entre um tique nervoso e uma piscadela”, brinca.
CRITÉRIOS – Uma equipe com profissionais formados, isentos, com olhar integrado 360 graus, garantindo tempo de observação que estabeleça relações e compreenda o ponto-de-vista do outro, é a exigência mínima para uma boa prestação de serviços na área. A amostra é normalmente pequena, porque focada na densidade das informações, com imersão parcial ou completa. A palestrante sugere cuidado na particularização da observação, mas também não pode haver uma universalização de conclusões, por isto mesmo devendo ser complementada por outras técnicas. Além disto, ressalta que não se pode assumir que o outro compartilha do mesmo repertório que o pesquisador, porque há diferenças fundamentais como cultural e lingüística, levando a alterações sutis em hábitos e referências. A etnografia pode ser utilizada como vivência, com visitas curtas de caráter exploratório, numa investigação que levanta questionamentos. Tudo feito com uma amostra-controle analisada por profissional que afasta pré-noções e redireciona olhares. As atividades da tarde no curso constam em texto complementar.
AGENDA – O Programa ABA de Desenvolvimento Profissional prevê várias ações para setembro. No dia 10, acontece o V Fórum ABA de Pesquisa no Rio de Janeiro/RJ. Já no dia 18, Porto Alegre/RS recebe o Fórum Estratégias de Comunicação Corporativa. Para São Paulo/SP, está programado o curso técnico “Marketing de Relacionamento Digital e CRM” no dia 23 e o curso Soluções In-Store – Estratégias de Vendas no Canal Eletroeletrônico no dia 25. Veja mais opções no http://www.aba.com.br/ ou pelo eventos@aba.com.br .
OS 10 MANDAMENTOS DO PESQUISADOR ETNOGRÁFICO
1. Seja primeiramente um observador
2. Respeite o contexto da observação
3. Seja objetivo e sem pré-conceito
4. Respeite seu objeto observado
5. Respeite o movimento do ambiente de sua observação
6. Tudo é relevante como informação
7. Quanto mais aberto o seu “approach”, melhor
8. Investigue sem confrontar
9. Não mude a rotina do respondente
10. Registre sempre tudo
Fonte: Hy Mariampolsky
RP Rodrigo Cogo – Conrerp SP/PR 3674
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