O óbvio


Em uma escola onde estudam alunos de várias classes sociais, a professora de português pergunta: Qual o significado do óbvio? Rapidamente Juliana, aluna rica e uma das mais aplicadas da classe, onde se apresentava sempre cheirosa e bonita, respondeu: Prezada professora, hoje acordei bem cedo, ao raiar da aurora, depois de uma noite de sono no conforto da minha suíte master. Desci a enorme escadaria da nossa humilde residência e me dirigi à copa onde era servido o café. Depois de me deliciar com as mais apetitosas iguarias, fui até a janela que dá vista para o jardim. Virei-me um pouco e percebi que se encontrava guardada na garagem a Ferrari do meu pai. Pensei com meus botões: é óbvio que papai foi ao trabalho de Mercedes.



Sem querer ficar atrás, Luís Cláudio, de família classe média, falou:
Professora, hoje não dormi bem porque meu colchão é meio duro, mas consegui me levantar assim mesmo, graças ao despertador que botei pra tocar logo cedo. Levantei meio zonzo, comi um pão meio muxibento e tomei café. Quando saí para a escola e vi o Fusca do papai estacionado na garagem, imaginei: é óbvio que papai não tinha dinheiro para a gasolina e foi trabalhar de busão.



Embalado na conversa, Washington Jéferson Júnior, de classe baixa, também quis responder:
Fessora, hoje eu quase não dormi porque teve um tiroteio na favela até tarde. Só acordei de manhã porque estava morrendo de fome, mas não tinha nada pra comer. Quando olhei pela janela do barracão, e vi minha vó vestida com a camisola do Curintia e com o jornal debaixo do braço, pensei: é óbvio que ela vai cagá. Num sabe lê.



2. Como você sabe, a comunicação de marketing está em pleno processo de reconstrução. O consumidor de todas as idades, sexo e condição social mudou: os meios de comunicação – todos eles - passam por uma revolução, impulsionados pela internet, pelo celular, pela TV e pelo Rádio digital e vai por aí afora; o marketing está dando um salto mortal, distanciando-se rapidamente dos famosos 4 Ps do McCarty – no Brasil, por exemplo, estimulados por Madia de Souza e por José Augusto Nascimento.E aí estão o marketing de relacionamento, o marketing viral, o marketing digital, o marketing integral, o marketing social, o marketing verde, o marketing agrobusiness – a lista é enorme, daria pra cobrir todo o espaço reservado para esta conversa. A publicidade deixou de ser a rainha do quintal e agora divide seu espaço com marketing promocional, marketing direto, design, comunicação integrada, comunicação digital – de novo, haja lista. 3. E nós? Eu e você, o que estamos fazendo para entender esse novo tempo, a fim de que ele não nos engula? Vamos começar pelos Cursos, Faculdades de Comunicação e Universidades: qual delas está fugindo do currículo tradicional, procurando torna-lo de tal modo flexível que lhes permita ir se transformando à medida que o ambiente se transforma? Claro, há o problema das exigências do MEC, mas por que elas não tomam a iniciativa de exigir mais liberdade do Ministério? De levar pra lá uma proposta concreta de mudança?


E os professores? Quantos se preocupam em fazer mestrado e doutorado em comunicação de marketing (ao invés do que acontece hoje, quando vale qualquer coisa) e ir além do saber adquirido, colocando-o a serviço do entendimento das mudanças? Quantos se preocupam em pesquisar mesmo novas formas de elaborar e transferir criativamente conteúdo para o mercado, ao invés de ficar a reboque do mercado e da tecnologia? Aliás,quando vão perder o horror que sentem pelo mercado?



E os profissionais e os estudantes? Coloco-os aqui no mesmo saco porque é o futuro deles que está em jogo atualmente. Os primeiros se viram como podem, procurando descascar a banana à medida que elas aparecem até que, um dia, eles escorregam na casca e caem. E quando caem, não têm a menor garantia de que alguém lhes estenderá a mão. Daí, quando se levantam percebem que foram substituído por qualquer outro. Afinal, eles trabalham numa profissão, digo, atividade, que nem regulamentada é. Que não tem sequer uma Ordem ou um Conselho Profissional que o proteja dos amadores, dos picaretas, dos parentes do chefe e dos QIs. Com os estudantes, então, a coisa é muito pior. Não se reúnem, não se fazem ouvir, não propõem nada, nem para defender seus interesses. Que poderiam, por exemplo, ser defendidos na Comissão de Educação do IV Congresso Brasileiro de Publicidade. Mas a maioria dos poucos estavam lá, parecia mais interessados em colher autógrafos. E os que não foram porque não puderam ou não se interessaram, não tomaram a iniciativa de fazer algum tipo de pressão – via pronunciamentos públicos, abaixo assinado, e-mails etc – sobre os membros da Comissão de Educação. Cujos membros, livres de qualquer assédio, quase enterra de vez a questão da Regulamentação Profissional.


4. Quando vejo essa paisagem, lembro-me da história do óbvio que anda circulando na internet e que me foi enviado pela minha colega de Unisul, a Deise Wenke.
Ao lembrar, sinto-me como aquele garotinho mais pobre, quando viu a vó de camisola. Porque, para mim, é óbvio para onde eles estão indo.



Eloy Simões

Elóy Simões é Publicitário, professor, jornalista e consultor

This entry was posted on sexta-feira, 5 de setembro de 2008 and is filed under . You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. You can leave a response.